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Juízes do Maranhão violam decisões do STF e autorizam ações de despejo coletivo em plena pandemia

Em menos de três meses, em plena pandemia de Covid-19 e violando duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), juízes de direito do Maranhão autorizaram pelo menos quatro despejos.

Duas das quatro autorizações de despejos no Maranhão foram dadas pela 10ª. Vara Cível de São Luís. Uma delas, decisão liminar proferida pelo juiz Marcelo Elias Oka em 17.02.2021, teve mandado judicial expedido em 07.06.2021, cumprido no dia 16.08.2021 contra a comunidade Vila Balneária Jardim Paulista, formada por mais de 250 famílias em área urbana, no bairro Olho D’Água (processo no 0823016-93.2020.8.10.0001). As famílias não tinham para onde ir e não foram prontamente realocadas pelo poder público, como determina uma Medida Cautelar do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF no 828-DF. A ADPF é uma medida utilizada para evitar o descumprimento de preceitos fundamentais da Constituição.

A Medida Cautelar na ADPF no 828 MC-DF, concedida pelo STF em 03.06.2021, determinou a suspensão por 06 (meses), renováveis, de despejos envolvendo coletividades urbanas e rurais com ocupações anteriores a 20.03.2020 (início da vigência do estado de calamidade pública no país). As ocupações posteriores a essa data só podem ser removidas se as famílias forem imediatamente transferidas para abrigos ou outras formas de moradia com garantias sanitárias. Além disso, ficaram suspensos despejos liminares individuais de locatários em situação de vulnerabilidade.

Porém, conforme informou a Defensoria Pública do Estado no processo em 17.08.2021, “NÃO houve a realocação das pessoas vulneráveispara abrigos públicos ou que de outra forma se assegure a elas moradia adequada, conforme expressamente determinado por Vossa Excelência nas decisões de ID nº 47303731 e 50640410 e, também, pelo STF na ADPF nº 828/DF. (…) Inúmeras pessoas que ocupavam o terreno tiveram que permanecer do lado de fora do imóvel reintegrado, na calçada da rua lateral, juntamente com seus móveis e eletrodomésticos, sem local para abrigo e em situação de total desamparo”.

No dia 19.08.2021, o Núcleo de Moradia e Defesa Fundiária da Defensoria Pública do Maranhão (DPE-MA) encaminhou ao presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Yuri Costa, um ofício comunicando graves violações de direitos humanos no caso do despejo das 250 famílias do Olho D’Água e também a violação de resoluções do próprio CNDH e a cautelar do STF.

O mesmo juízo da 10ª Vara Cível de São Luís determinou, em 30.06.2021, o despejo de uma dezena de famílias que ocupam desde 2019 um casarão localizado na rua Sete de Setembro, no Centro Histórico de São Luís (processo no 0802158-07.2021.8.10.0001). As famílias ainda permanecem no local pela atuação do Núcleo de Moradia da Defensoria Pública do Estado (DPE-MA).

Ambas decisões judiciais de despejo coletivo foram proferidas pelo juiz de direito, Marcelo Elias Oka, que responde pela 10ª Vara Cível da Capital.

O juiz Marcelo Elias Oka é o mesmo que determinou o cumprimento da ação de reintegração de posse contra a comunidade tradicional Cajueiro, na zona rural de São Luís, que terminou em grave violência numa operação surpresa contra os moradores do território em 12 de agosto de 2019. Diversas casas foram derrubadas sem que as famílias soubessem quando a ação aconteceria. Além disso, a Polícia Militar do Maranhão atacou os moradores com bombas de efeito moral e spray de pimenta.

Despejo em Tutóia de comunidade de pescadores

Outra autorização para cumprimento de reintegração de posse contra coletividade foi assinada pela juíza Martha Dayanne Schiemann, da Vara Única da Comarca de Tutóia em 10.06.2021 (processo no 0800511-54.2021.8.10.0137). Na manhã de 19.08.2021, um aparato militar envolvendo dezenas de policiais, tratores e até helicóptero estava pronto para despejar as mais de 100 famílias que vivem na comunidade pesqueira Arpoador, em Tutóia, há cerca de um século. Os moradores fizeram uma barreira humana para impedir a entrada da polícia no território e conseguiram evitar o despejo. A operação desrespeitou a Medida Cautelar concedida na ADPF 828 pelo STF.

Segundo informações do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), a área de 1.890 hectares ocupada tradicionalmente pelos pescadores está sendo cobiçada pelo empreendimento de energia eólica da Vita Energias Renováveis Ltda. “Em decisão liminar, a juíza da comarca de Tutóia deu reintegração de posse para a empresa. A decisão judicial alega que a empresa tem um contrato de aluguel da área por 30 anos, mas ignora a permanência secular da comunidade no local”, afirma a CPP.

Decisão contra quilombo em Cantanhede

Uma quarta decisão de despejo coletivo foi concedida em 28.05.2021, pelo juiz de direito Paulo do Nascimento Junior, da comarca de Cantanhede, contra famílias remanescentes de quilombo do povoado Oiteiro (processo no 0000118-52.2015.8.10.0080), posteriormente à Medida Cautelar ADPF 742-DF, concedida pelo STF em 24.02.2021, que determinou a suspensão de todos os despejos de comunidades quilombolas durante a pandemia.

Em 31.05.2021, o Comando da Polícia Militar daquele município recebeu comunicação do juízo para disponibilização de efetivo policial para Cumprimento Provisório de Sentença, no prazo de 15 (quinze) dias úteis. O 23º Batalhão da PMMA já havia preparado o Estudo de Situação para efetivação da operação, que ainda não foi cumprida. A Comissão Pastoral da Terra peticionou nos autos e oficiou a Corregedoria-Geral de Justiça do TJMA sobre o caso, pedindo suspensão do cumprimento da decisão.

No caso de Cantanhede, a comunidade quilombola tem processo administrativo de titulação quilombola junto ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). 

CPT MA acionou Corregedoria-Geral de Justiça do TJMA

Apesar das Medidas Cautelares em ADPF’s terem eficácia em todo o país, aplicando-se nos âmbitos judicial e administrativo federal e estadual, as decisões judiciais mencionadas nesse texto e assinadas pelos juízes Marcelo Elias Oka, da 10ª Vara Cível da Comarca de São Luís, Paulo do Nascimento Junior, da Vara Única da Comarca de Cantanhede, e pela juíza Martha Dayanne Schiemann, da Vara Única da Comarca de Tutóia, aconteceram com as duas medidas cautelares do STF já em vigor.

Por isso, no último dia 08.07.2021, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Maranhão enviou um ofício ao Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), desembargador Paulo Velten Pereira, solicitando que oficiasse os juízes do Maranhão sobre o teor das ADPF’s nos 742 e 828. Em 29.07.2021, o Desembargador Corregedor informou à CPT MA que havia oficiado a Vara de Conflitos Agrários do Maranhão, recentemente implantada.

A Comissão Pastoral da Terra entende que a resposta da Corregedoria de Justiça do TJ MA contempla apenas parcialmente o pedido da entidade, pois há decisões contra comunidades quilombolas e coletividades urbanas e rurais sendo proferidas em diversas varas e outras comarcas do Estado, como os casos narrados demonstram. 

“Apesar de a Vara Agrária ter sido instalada esse ano, muitas comarcas ainda não enviaram os processos para lá e estão tomando decisões de despejo sem observância das Medidas Cautelares proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que protegem coletividades no campo e nas áreas urbanas, em razão da pandemia da Covid-19”, explica o advogado Rafael Silva, assessor jurídico da CPT Maranhão. “Além disso, os conflitos fundiários urbanos envolvendo coletividades na luta por moradia não são de competência da Vara Agrária, mas também estão previstos na suspensão determinada pela Medida Cautelar na ADPF 742 do Supremo. O Tribunal de Justiça do Maranhão precisa alertar os juízes de todo o Estado para observarem as decisões recentes do STF nas ADPF’s 742 e 828, sob pena de continuarem surgindo decisões judiciais e operações de despejo que violem a proteção de preceitos fundamentais nesse período de pandemia”, finaliza o assessor jurídico.

Sobre as decisões do STF, um quilombola de Tanque da Rodagem (Matões-MA) assim se manifestou: “É bom para as comunidades quilombolas, nesse momento de dificuldade no mundo todo. Num momento de pandemia, veio a calhar essa decisão, porque as coisas já ficaram difíceis e mais ainda para uma família que não tem para onde ir e sem ter de onde retirar o sustento. Porque uma comunidade quilombola tem de onde tirar o seu sustento, mas sendo tirada de seu território fica mais difícil ainda”, disse Clemilson Neves, 30 anos.

Matéria da Comissão Pastoral da Terra

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